Underneath the velvet cape
I dove into the black side of me
The loud whisper concealed in flashes
The eyes shut but eager to see
I uncovered the veins, and exposed the scars
I expected a sign of madness
I dreaded the grey cries and disapproving sounds
The public crowd of controlled suppress
But there lay the life awaiting
There struggled the songs without melody
The fall was deep and the voices vanish
Between all the dark faces, an elegy
The requiem for my former soul
The summing of a life I no longer feel
Ever sure that I needed to bleed
For the wounds I carried to heal
Sprouted amidst the beast of night
Contrasting veins of colour and light
Round came the beacon of entrusted wrath
Dead is the dream the mind once hath
Surgically removed from puzzles of notion
One laughs at the caustic stake
Bought as bargain, on silver platter sewn
Again we are thrust into the unknown
None can escape the isle of self
The heedless waves pounding as drum
The silent spectrum of everlasting dusk
Unbridled by the truth of the day to come
Tenho constatado o bom que é ir abandonando as peles mortas e secas do passado, para dar lugar à nova pele que nos envolve. Mais fina, mais transparente, e (esperamos) a cada passo mais próxima de nos devolver ao que somos.
Como as cebolas (ou o Shrek*) que têm camadas contundentes e que é preciso descascar, ou como um bom livro, em que o fim justifica a jornada de leitura, somos também mais verdadeiros por dentro e tanto quanto o viremos do avesso. Para que apanhe sol e nunca volte a querer estar escondido.
Para caminhar no sentido interior, às vezes é preciso escavar cenas antigas, e fechadas sem aplauso do público. Sentimos necessidade de buscar partes de nós que já não gravitam aos pés do dia-a-dia.
Procuramos, porque queremos ter a certeza que essas partes já não existem, já não vivem em nós. Voltamos a trazê-las à superfície, tentamos reviver os sentimentos – agora, com outra frieza e calma. Reparamos em toques não antes notados, apenas para poder voltar a arrumar, um pouco mais “despidas” do que antes.
Até que chega o momento em que o derradeiro arrumo, é a pele velha que cai no chão e se mistura com o ciclo natural da vida.
Sem que demos por isso, o velho de nós deu lugar a barro por esculpir!
*”Layers. Onions have layers. Ogres have layers. Onions have layers. You get it? We both have layers.”, Shrek (2001)
Hoje inaugura-se uma nova sala no meu coração. Ainda não sei por completo o tamanho da sala, as cores com que será pintada, quem nela entrará para dar uma vista de olhos, quem entrará para se sentar e quem o fará para ficar.
Desde há algum tempo, sinto a minha casa inteira fechada para obras, remodelações despejadas em simultâneo e invadidas de sede de novo. Ainda que à porta aberta, o período de renovação cresceu muito mais no sentido interior que exterior. Mais escondida do constante reflexo onde me projecto, projectei outros sonhos e desejos há muito guardados em lugares distantes dos pés que palmilham o dia-a-dia.
Cortei as fitas, mas as obras estão longe de acabar. Mas já consigo, com mais genuinidade, abrir a casa a visitantes, abrir a janela de quem sou na certeza de que ainda há muito por ser.
Para ir e vir do lugar onde passo grande parte do meu dia, a faculdade (Universitat Autònoma de Barcelona), confio unicamente no ferrocarril. O ferrocarril é algo a que nós chamaríamos comboio, que mistura as características de um metro urbano e um comboio suburbano. Leva os seus passageiros desde o centro da cidade.
Pelos diversos locais por onde passo diariamente, há muito a acontecer, muito para ver. Uma paisagem de pré-montanha acompanha e aconchega o olhar, e nos dias de sol e boa visibilidade acordam os meus sentidos com uma beleza invulgar. Cada paragem tem a sua história. A pouco e pouco, vou conhecendo o que se passa, vou-me apercebendo dos diferentes mundos dentro deste rota que já é minha, rotineira e singular.
Um dos momentos que mais me encanta é quando o meu regresso a casa coincide com o regresso dos alunos dos vários colégios que moram ao longo da linha que percorro. As meninas entram numa paragem; os rapazes, invariavelmente mais barulhentos e movimentados, entram um pouco depois. Com as suas fardas desfraldadas e cansadas, como eles, do dia cheio de aulas, actividades e dinâmicas “sociais”, as crianças vão desde os 5 aos 15 anos. Apresentam-me, numa viagem de cerca de meia hora, uma curta metragem do que é crescer e todas as suas problemáticas. Senti-me imersa num filme do Harry Potter, em que dou asas à imaginação através de uma realidade tão simples da vida: a infância.
Falam-se de coisas diferentes do que eu falava, sabem-se coisas bem diferentes do que eu conhecia. Os iPods são vulgares, os brinquedos são sofisticados, mas os sentimentos destes pequenos “eus” (pequenos só em tamanho) trespassam toda a humanidade. E, com eles, a simplicidade do olhar, das palavras usadas, dos jogos e concursos improvisados para passar o tempo.
Esta companhia refresca-me a alma e ajuda-me a lembrar que tenho muito a aprender com um coração de criança.
“In dreams, we enter a world that’s entirely our own.” J.K. Rowling
Desta outra margem do rio, retrato, ao longe, os caminhos por onde passei.
De alguma forma, a sinuosidade e irregularidade do piso parecem-me agora um todo pacificado de ensinamentos, poucos mas importantes. Uma pedra angular sobre a qual construir naquilo que está destruído.
Por que será que este lugar ainda é, para mim, a outra margem do rio?
Que corrente da vida antiga se prende e mistura no rio refrescado, deixando-me à deriva?
Levanto-me, olho, tomo embalo. A impressão deixada por mim no chão de Outono guarda a marca da espera. O tempo impele-me a largar a vela, soltar amarras e seguir pelo rio adentro. Sem medo das correntes, acorrentada apenas ao desconhecido por viver.
Hoje, depois de uns dias intensos de aulas e trabalhos, perspectivas de mini-exames e mais trabalhos, chego a casa com um sentimento de imensa confusão. Confusão emaranhada num novelo de compromissos, esquissos de listas de afazeres, esquinas de agenda com rabiscos de expressões como “rever contrato arrendamento” ou “documentos NIE” (Número de Identificación de Extranjeros).
Quando é que eu passei para esta margem do rio, o lado dos adultos?
Enquanto criança, achava que havia uma barreira, mais do que apenas temporal, se não física mesmo (daí o rio imaginário), entre o ser criança e o ser adulto – sim, a minha cabeça não contemplava quaisquer estádios intermédios. Essa barreira era para mim mais ou menos aos 20 anos (porquê? Acho que era a idade da Bela, na Bela e o Monstro… as crianças têm destas coisas). Via, depois deste momento, um lugar a transbordar de oportunidades, de sonhos, de construção. Havia uma variedade de novas experiências, novo tudo: recomeçaríamos diferentes. Ainda mais, pensava que todas as dúvidas e inseguranças se dissipavam, que ser adulto era não falhar, não errar e sobretudo não hesitar.
A realidade é bem diferente, muito mais difícil, mas, e precisamente por isso, tão mais realizadora. Vamos subindo a nossa escada, passo a passo; há degraus que parecem intransponíveis. Falhamos, erramos e hesitamos quase diariamente. No entanto, há uma dimensão maior, mais funda e mais verdadeira de quem somos. Há “liberdades” que se substituem por liberdade, há restrições que dão lugar a respeito, conhecimento que se torna sabedoria, ocupações que se transformam em responsabilidade. Suavemente e a prestações, subimos: um dia paramos, olhamos para trás na escada e vemos o quanto percorremos. As marcas dos degraus pintados com o nosso choro em silêncio, a erosão dos pontos em que mais lutámos para subir, os pulos de alegria marcados pelas impressões na pedra.
Crescer é para sempre. A escada continua, muito para além do que os olhos alcançam!